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Estamos vivendo uma época em que, para muitos, só vale a pena se envolver com negócios que se autoproclamam disruptivos. Crédito: UncleFredDesign.

Allan Costa

Allan Costa

Allan Costa é empreendedor, investidor-anjo, mentor, escritor, motociclista e palestrante em dois TEDx e em mais de 100 eventos por ano. Co-fundador do AAA Inovação, da Curitiba Angels e Diretor de Inovação da ISH Tecnologia. Mestre pela FGV e pela Lancaster University (UK), e AMP pela Harvard Business School.

Você, amanhã

A falácia dos negócios disruptivos

19/08/2025 13:02
As grandes empresas de tecnologia, as startups e todas essas promessas de inovação dignas dos Jetsons ganharam um lugar privilegiado no imaginário coletivo. Parece que, hoje em dia, sucesso virou sinônimo de ter um pitch afiado, uma ideia “disruptiva” e um plano de negócios que termina em “unicórnio”.
Estamos vivendo uma época em que, para muitos profissionais e jovens empreendedores, só vale a pena se envolver com negócios que se autoproclamam disruptivos. Tudo o que foge desse padrão parece chato, ultrapassado ou tedioso. 
Penso que talvez seja hora de colocar o pé no freio e olhar esse encantamento com mais ceticismo.
Acompanhei de perto o surgimento meteórico de muitas dessas empresas que chegaram como promessas e, em poucos anos, viraram pó. E comecei a me perguntar: como é que negócios tão “inovadores”, com ideias tão bem vendidas, conseguem falhar com tamanha consistência?
A resposta, por mais dura que pareça, é simples: inovação não garante sustentabilidade. 
Negócio bom de verdade é aquele que roda de forma consistente, atrai novos clientes e consegue manter os antigos por perto. Ser inovador é ótimo, mas não é suficiente, e, muitas vezes, nem é o mais importante.
Pense nos negócios tradicionais que estão aí há décadas, sem nunca terem cogitado colocar uma mesa de pingue-pongue na sala ou espalhar pufes coloridos pelos cantos: Salões de beleza, barbearias, chaveiros, lavanderias de bairro e ateliês de costura… Esses empreendimentos, em geral, operam com rotina bem feita, gestão financeira decente e um relacionamento honesto com os clientes.
Muitas vezes, a maior inovação que adotaram foi colocar uma maquininha de cartão no balcão. E não há nada de errado nisso. 
Não houve rebranding, não teve “pivotagem”, ninguém precisou contratar um especialista em cultura organizacional. O que esses negócios fizeram foi o simples que funciona: contas em dia, clientela fiel, serviço bem feito e propaganda no boca-a-boca.
E mesmo sem glamour, essas empresas estão lá, todos os dias, abrindo as portas às oito da manhã. Há anos.
Mas, claro, isso parece “básico demais” pra quem foi treinado pra buscar o próximo unicórnio. Não tem rodada de investimento, não tem founder dando entrevista no podcast da moda. E aí preferem cruzar o oceano pra visitar uma startup de garagem — que pode dar certo, mas provavelmente não vai — do que passar uma tarde conversando com comerciantes locais que, apesar da simplicidade, fazem o negócio girar de verdade.
É difícil ver um barbeiro de bairro virar bilionário, de fato. Mas sejamos honestos: a probabilidade de alguém chegar nesse nível em qualquer setor é praticamente nula. Então, talvez faça mais sentido construir um negócio saudável, que paga as contas e gera valor todos os dias, do que se jogar num modelo cheio de buzzwords e “firulas” que mal chega ao quinto ano de vida.
Não estou dizendo que a inovação é o vilão da história, obviamente! 
O mundo só está onde está porque muita gente ousou, testou o novo e transformou ideias malucas em impérios. A questão não é essa.
A questão é que nem toda ideia inovadora para em pé. E esse fetiche por parecer moderno, “cool” a todo custo, acaba desviando o foco do que realmente importa. 
No fim do dia, o que sustenta um negócio não é o storytelling bonito nem o design premiado: é a entrega. É fazer o básico bem-feito, reduzir risco, atender bem, gerar valor e manter o cliente voltando.
Um exemplo interessante é a rede americana Great Clips. Cortes de cabelo rápidos, sem frescura, com mais de 4.000 unidades nos Estados Unidos e no Canadá. Eles não quiseram reinventar a roda nem mudar o mundo da beleza. Só padronizaram processos, treinaram os profissionais, criaram um app simples e mantiveram preço justo. Resultado? Um negócio que fatura mais de um bilhão de dólares por ano.
Um bilhão de dólares. Sem disrupção, sem ego. Só repetição, eficiência e foco no cliente.
Esse tipo de história mostra que inovação não precisa vir embrulhada em tecnologia de ponta nem em promessas mirabolantes. Inovar, às vezes, é só fazer o que precisa ser feito, da melhor forma possível, com atenção ao que realmente interessa: quem está pagando a conta.
Enquanto isso, várias startups promissoras seguem caindo feito dominós, simplesmente porque não encontraram o tal “product-market fit”. Em outras palavras: porque não resolveram um problema real de alguém que estivesse disposto a pagar por isso.
Empresas tradicionais não são inimigas da inovação. E empresas inovadoras não precisam virar as costas para a previsibilidade. O erro está em achar que só existe valor onde há novidade.
Se você está pensando em empreender ou escolher seu próximo movimento profissional, talvez a pergunta mais inteligente não seja: “isso é inovador?”, mas sim: “isso funciona?”.